Página 52 - Cerimonial Magazine 2014

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Reportagem
Os imperat ivos impostos pela
legislação que impossibilitaria a colo-
cação de postes de cimento ou ferro,
e a eficácia da madeira tem ditado a
permanência da tradição ao longo
destes anos. As madeiras não têm
uma resistência muito prolongada,
o que obriga a constantes trabalhos
de manutenção, ora a pregar uma
tábua ora a reforçar com mais uma
estaca, “
agora tivemos ajuda da
câmara, já nos ofereceram umas
estacas tratadas, que dizem que
vão aguentar uns 20 anos
”, remata-
nos Joaquim Damas com uma réstia
de esperança na sua durabilidade.
Se por um lado a tradição do Cais
Palafítico se tem mantido, por outro
a paisagem tem-se transformado,
está diferente, os muraçais aca-
baram. Era um abrigo para nós,
partia o mar,... com os anos as
plantas foram morrendo,… as pró-
prias plantas é que seguravam a
terra. As plantas foram morrendo
com a poluição e a terra por sua
vez foi levada,
” exclama Joaquim
Damas, fixando os olhos no hori-
zonte, e apontando com o dedo os
locais que outrora estavam preenchi-
dos com extensos sapais.
Deixamos Joaquim para que possa
continuar os seus trabalhos de manu-
tenção. Já em terra firme aproxi-
mamo-nos de outro pescador que
contínua a cobrir de tinta vermelha o
casco de uma embarcação. António
José Espada da Costa tem 48 anos
de idade e 32 de pescador, iniciou-se
na faina com 16 anos. Como há his-
tórias que se repetem, interrogamo-lo
se os seus pais já eram pescadores,
sim, quase tudo aqui é assim.
Passa de geração em geração.
Recorda-se da existência do cais,
quando ainda era pequeno, foi ali que
aprendeu também a nadar e que foi
assistindo ao acréscimo das estrutu-
ras de madeira. Deixou a escola aos
10 anos, de profissão só conheceu a
de pescador. Também ele aproveita
o tempo em que não se pesca, e
que faz menos calor para fazer os
trabalhos de manutenção. Quando
lhe perguntamos quem é a sua com-
panha no barco, responde: “
sou eu,
há muitas pessoas que não têm
camarada... só que não pudemos
andar distanciados de outro barco
mais do que 250 metros, quando
se anda sozinho.
”.
Quanto às mudanças e transforma-
ções na paisagem não tem dúvidas
que foram, “
muitas, havia estes
sapais aqui, ali ao meio também
havia... com os ventos e o mar isso
foi tudo destruído.
Pescam “
douradas, chocos, roba-
los, amêijoas, de tudo um pouco
”,
quanto à altura que rende mais aponta
para, “
Agosto e Setembro, que é
quando há mais turismo, há mais
procura e poder de compra
”.
António também vem de uma famí-
lia de pescadores, “
aqui na aldeia
é quase tudo assim. Há algumas
pessoas que andam sozinhos e a
mulher fica em casa, mas outros
optam por andar com as mulheres.
Quanto ao futuro da pesca, é um
pouco cauteloso, “
se não houver
nada contra, por enquanto ainda se
vai sobrevivendo... sinceramente
não sei, porque a gente não sabe
o dia de amanhã
”.
A calmaria de hoje contrasta com
o mar de gente que todos os fins-
de-semana invade a pequena aldeia
da Carrasqueira. As horas passam,
e com a chegada da tarde chega
também a água, os campos que de
manhã eram apenas uma enorme
extensão de lodo com estacas,
começam agora a inundar. Com a
maré cheia de hoje a água fica a cerca
de meio metro do passadiço. As
águas do Sado vestem agora o brilho
de um imenso espelho, as cores colo-
ridas das embarcações conferem-lhe
várias tonalidades, que se fundem
com as cores laranja e rosa de um
sol que começa a mergulhar na terra.
É impossível ficarmos indiferentes
a esta paisagem única na Europa
que nos remete para uma viagem no
tempo. Ficamos rendidos à singulari-
dade deste local que representa um
dos pontos turísticos mais visitados
no concelho de Alcácer do Sal, em
que o seu Cais Palafítico contínua a
cumprir a sua missão: vencer o lodo e
permitir o acesso dos pescadores aos
barcos mesmo durante a maré baixa.
a