Reportagem
F
alar de alcomonias é mergulhar nas
nossas origens, testemunhando
influências de culturas que se cruza-
ram com a nossa. É falar de um doce
que quase a totalidade de Portugal
desconhece. Também não vem referen-
ciado nos livros de doçaria Portuguesa,
inclusive naqueles que tem abordado
a doçar ia Alentejana. Reminiscên-
cias árabe que se tem preservado no
Baixo Alentejo, próximo de Santiago do
Cacém, mais precisamente na Aldeia
de Santo André e Santa Cruz.
O seu nome, de or igem árabe,
como todas as palavras de origem “al”,
remete-nos para a passagem destes
povos na Península Ibérica.
O ingrediente que lhe deu o nome
foram os cominhos, mas as alcomonias
que hoje comemos não têm qualquer
relação com o referido ingrediente. A
explicação pode ser dada pela difícil
aquisição deste produto na região.
Situação que contrasta com a aquisição
do pinhão, que se torna abundante
como resultado do extenso pinhal, com
os seus pinheiros mansos, carregados
de pinhas, de onde todos os anos, pela
ação do calor nas mesmas se extraem
os pinhões.
Marcas de antiguidade, num doce
especial de sabor mour isco, sem
requintes de exibicionismos, de origem
caseira e confeção limitada, fomos até
Santa Cruz ao encontro da Dª Maria
Luísa Marques, uma das quatro docei-
ras ainda existentes, que as confe-
cionam com a paixão e saberes que
o tempo não apagou. Um saber com
tradição que herdou da mãe, e esta
por sua vez tinha-o adquirido da sogra.
Atualmente com 64 anos, admite que
em criança, não tinha qualquer inte-
resse pela confeção do referido doce,
“
veio depois, já eu tinha uns 20 e
tal anos é que me interessei mais,
e quando a minha mãe deixou de
as puder fazer, eu continuei
”.
Recebe-nos com uma mesa a pre-
ceito. Aos nossos olhos saltam as
coloridas cores de papel de seda dos
rebuçados. De seguida focamo-nos na
forma geométrica, tipicamente árabe,
diferente, inconfundível, em cor de mel,
de aspeto baço. Não somos indife-
rentes à toalha de renda branca que
cobre a mesa, e que Maria Luísa exibe
orgulhosamente.
O processo inicia-se com a torra da
farinha, que faz de uma forma anteci-
pada, “
torro logo mais do que um
tabuleiro num forno a lenha, e den-
tro de um tabuleiro de alumínio…
compro a farinha com farelo, tem
que se peneirar, depois de torrada,
é novamente peneirada... isto leva
muita volta.
”Argumenta Maria Luísa,
que prossegue com entusiasmo falando
da confeção das alcomonias. “
Depois
das coisas estarem organizadas,
leva-se mais uma hora contando
com a farinha já torrada
”.
Admite que a receita seja simples,
“
mas é difícil de qualquer pessoa a
fazer, porque isto é assim, põe-se
meio litro de água num tacho de
cobre e 1 kg de açúcar e deixamos
ferver. O segredo está no ferver. Se
nós deixamos ferver muito tempo,
quando se põe a farinha depois de
estar fria a massa endurece
”.
À que ir adicionando a farinha torrada
e mexer sempre com uma colher de
pau ou colherão, que diz não ser já o
mesmo, mas é uma cópia. “
Encon-
trando-se já a massa tipo bolo põe-
se na mesa com farinha e estica-se
com o rolo da massa, depois com
uma régua cortam-se os losangos
às tiras.
”
“
No tempo da minha mãe faziam-
se em lume de chão, mas também
faziam pouquinho. Hoje em dia
como somos menos temos mais
trabalho, fazemos mais.
” Argumenta
Maria Luísa.
A receita que conhece, nunca levou
cominhos, quanto ao açúcar normal-
mente é amarelo, uma receita que
se tem mantido sempre igual, “
Só o
que eu faço menos um bocadinho
porque não pode ser muito, é o
pinhão. Ainda agora comprei o
pinhão para a feira a 60
€
/kg… é
muito caro
”, desabafa Maria Luísa
justificando assim a redução da quan-
tidade de pinhão.
Alcomonias
Um
testemunho
da
cozinha mourisca
que
sobrevive
na
Freguesia
de
Santo André
Texto:
Otília Costa
Fotos:
Adelaide Queirós