Página 14 - Cerimonial Magazine 2014

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Simone recusava-se a acreditar e a
ouvir a irmã, mas a insistência dela con-
venceu os pais, “
porque me fazia bem,
eram 3 horas por dia, eu saía de casa
e ia com ela... e aquilo ia fazer-me
bem com certeza...
”. Depois de a mãe
convencer o pai, este foi ao Centro de
Preparação de Artistas falar com Mota
Pereira dizer que ela só ia para estar
entretida. “
Acabei por cantar mais tarde
todos os boleros daquela altura. O
Mota Pereira lá nos ensinava a colo-
car a voz, não era o que é hoje. Era
aproveitar o nosso jeitinho e melhorar
algumas coisas. Quando cantei ele
disse-me: “Sabe a voz que tem? Não
quer cantar?”... Eu não! Eu não queria
nada...
”, Simone passou automatica-
mente para a Emissora Nacional, para
um programa à sexta-feira das 12h20m
às 13h, onde apresentava as vozes do
Centro de Preparação, depois passou
para outros programas.
Os dois anos seguintes iriam traduzir-
se em certezas, Simone grava um disco,
e começa a cantar com regularidade,
recorda que para se maquilhar era uma
tragédia, “
o meu pai nunca me deixou
pintar. Eu andei a aprender a pintar-me
com os maquilhadores da televisão
”.
A família ficou chocada, ouve mesmo
quem lhe deixasse de falar, “
voltaram a
falar-me quando eu recebi o primeiro
prémio, nessa altura eu não fui ao
telefone... estou a falar de primos
e primas, algumas figuras bastante
importantes a vários níveis...
”.
Ao contrário do que possamos pensar
a vida artística não era tão boémia como
é hoje, “
era uma boémia tão român-
tica, tão bonita! Um dos sonhos era
a liberdade. Eu por dentro era livre,
tive filhos sem ser casada, vim-me
embora quando me apeteceu. Falei
com os meus pais, e disse: isto não
quero!...
e tive uns pais para aquela
época extraordinários...
”,refere Simone
com um toque de nostalgia.
Simone era dona do seu nariz, fumava,
conduzia automóvel e bebia café, as
senhoras da vizinhança manifestavam-se
aos “ais” e aos gritos, “
ai parece impos-
sível,... e os homens todos apaixona-
dos por mim, claro! Era uma canseira,
coitados devem ter passado horrores.
Nesta casa à meia dúzia de anos,
há uma senhora que me telefona a
pedir-me desculpa porque toda a vida
pensou que eu tinha sido amante do
marido
”.
Simone enceta nova relação amorosa,
nasce Eduarda e dois anos depois nasce
Pedro. O pai dos seus filhos, que Simone
define como, “
aquele rapaz que não é
má pessoa
”, resolve ir para Moçambi-
que. Simone tinha a certeza do que não
queria, tinha 23 anos, uma filha com dois
anos e tal e o filho com seis meses, e
recusa-se a ir, “
se me perguntarem se
estou arrependida, não estou! Já disse
aos meus filhos, não estou e voltava a
fazer a mesma coisa. Aquilo que para
nós hoje é perto, para mim Tete era
para lá do sol posto... deixar o meu pai
e a minha mãe? Deixar este país? Nem
pensar! Aliás, não havia amor nenhum
no mundo que me levasse a deixar os
meus pais, o país ou os meus filhos
”.
Em relação ao insucesso das suas
relações, a mãe de Simone dizia mesmo:
tu és uma ótima filha, és uma ótima
mãe e não tens jeito nenhum para
arranjar um homem para ti!
Simone começa a dedicar-se mais ao
trabalho, são os avós que tomam conta
dos filhos, “
não havia dinheiro de mais
lado nenhum. Não havia ninguém que
nos sustentasse
”, recusa-se a pensar
como é que teria sido a sua vida se não
tivesse os pais ao seu lado. O seu filho
ainda hoje vive na casa que era dos avós,
um dos seus netos ocupa o quarto que
outrora foi ocupado por Simone. Daquela
casa guarda as melhores recordações, da
passagem do tempo que era filha, para o
tempo que passou a ser mãe. Não teria
hesitado em abandonar a profissão que
ama, se algum dos seus filhos lhe tivesse
pedido naquela altura, “
Oh mãe! A
gente não aguenta esta pressão!...
que aguentaram sempre. Eles hoje
têm cinquenta anos e passaram
todas as coisas que eu passei.
Devo-lhes terem
aguentado ter esta mãe
”,
diz Simone com um tom de gratidão.
Assume que muitas vezes não foi uma
mãe presente, “
houve um ano que no
dia de anos da Eduarda, eu estava
no Casino da Figueira, telefonei para
casa, e perguntei como estava a correr
o aniversário dela, a minha mãe disse
que tinha corrido bem, mas que ao
apagar as velas ela tinha chorado...
decidi nunca mais trabalhar no dia de
anos da Eduarda
”.
... Quando cantei ele disse-me:
“Sabe a voz que tem?
Não quer cantar?”...
Eu não!
Eu não queria nada...
(...) e tive uns pais
para aquela época
extraordinários...