Página 24 - Cerimonial Magazine 2014

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Histórias com Vida…
(...)
sou uma
felizarda, tenho
uma família
fantástica que me
apoia,
(...)
Recorda que o mestre a aceitou bem,
e acreditou, “
a esposa na altura disse-
me: isso é coisa de miúda, vais ver que
começas a namorar, casas e acabas
por desistir. E eu pensei assim: será
que é tão importante namorar? Como
é que posso apaixonar-me mais por
um rapaz, do que por esta profissão?
Não, isso é conversa da senhora. E
assim foi felizmente, ainda contínuo,
e ainda tenho a minha paixão pela
profissão à frente de tudo. É claro
que há paixões, ninguém vive sem
paixões na vida
”.
Sem infraestruturas e sem cavalos,
Sónia foi encetando contatos para ir
a casa de colegas, “
comecei princi-
palmente por observar muito
”. Até
1997 a família estava convencida que
ela se iria esquecer, não se verificando
tal pretensão, mudam de opinião, “
se é
mesmo isto que ela quer, cá estamos
todos unidos para ajudá-la a realizar o
sonho
”. Depois de convencer a família,
a primeira batalha estava ganha, “
sou
uma felizarda, tenho uma família fan-
tástica que me apoia,… o meu pai é
o meu apoderado, a minha irmã é a
minha moça de espadas, toma conta
da minha roupa, marcações de hotéis
e de toda a logística. Depois tenho
um irmão que toma conta dos meus
cavalos, verifica se é necessário um
veterinário e acompanha-os nas via-
gens. A trabalhar cá em casa tenho
um primo, que é quem trata, e dá de
comer aos cavalos diariamente, quem
leva o camião é outro primo, e depois
tenho o resto da família que me apoia.
Sou uma privilegiada, ter o apoio da
família, é muito importante
”, refere
orgulhosamente.
Igualmente de difícil aceitação foram
na altura os colegas de escola, ficaram
chocados, “
Toureira? De certeza que
queres mesmo ser toureira? Estás é
tonta... toureira, não tem nada a ver...
”.
Sónia recorda mesmo uma entrevista
que deu ao jornal da escola em 1990/91,
em que dizia com uma convicção tre-
menda: “
eu vou ser toureira
”, passa-
dos vinte anos os colegas com quem
mantém contacto dizem: “
e não é que
foste mesmo!
Quando questionada sobre os peri-
gos, responde: “
no início jamais pensei
nisso, nós em crianças somos loucos,
vivemos tudo intensamente sem ter
noção do perigo. Óbvio que chegamos
a uma determinada idade e tomamos
consciência, do risco e perigo que
corremos. Nunca pensei em desistir
pelo fato de me acontecer isto ou
aquilo. Já tive em situações delicadas
que até me puseram a vida em risco,
mas nunca pensei em desistir
”.
A sua relação com os colegas nem
sempre foi harmoniosa, “
neste momento
é boa, de início foi complicada. Eu
recordo-me de chorar várias vezes
porque sentia oposição relativamente
à minha pessoa, mesmo pelo fato de
ser mulher, não era bem vista e havia
determinados cartéis que me tenta-
vam retirar, e não percebia porquê...
Se nunca tinha pedido facilitismos, e
se treinava tanto ou mais do que eles
para conseguir atingir os meus objeti-
vos, deixava-me bastante magoada e
sentida. Mas com o passar do tempo
tudo se alterou, todos esses colegas
que na altura se opuseram a tourear
comigo e não me viam com grande
agrado, neste momento somos gran-
des amigos e respeitam-me a cem
por cento
”.
E não acha que de alguma forma eles
se sentiam invadidos? “
Provavelmente
sim, por ser uma área quase só limi-
tada a homens... No começo acho que
foi um bocado chocante para alguns
por esse fato, e também pudendo ver
por outro ponto de vista pelo risco.
Havia muitos colegas com sentido de
proteção, que achavam extremamente
perigoso, ficavammuito preocupados
que me acontecesse alguma coisa,
imaginando provavelmente as suas
filhas na arena...
De todas as suas atuações a mais
marcante foi a da alternativa, “
foi o con-
seguir realizar um sonho, não foi o
ser a primeira mulher, foi conseguir
tirar a alternativa, porque
só me
apercebi que iria ser a pri-
meira e ficar para a história,
depois.
Tanto trabalho e tanta dedi-
cação, passar por todas essas fases,
conseguir construir as coisas aos
poucos, infraestruturas, ter cavalos, a
família a apoiar-me, conseguir entrar
nos cartéis, oposição dos colegas,
treinar diariamente, e chegar o dia e
ver o sonho realizado. Praça cheia,
doze mil pessoas, vestir a casaca
azul de veludo que idealizei, rece-
ber tantas flores que não me cabiam
nos braços, uma lide que ficou para
recordação, não só para mim, mas
também para as pessoas que estavam
presentes na arena, é sem dúvida uma
das lides que eu irei recordar. Será
sempre especial
”.
Hoje em dia qualquer situ-
ação em que haja risco os
colegas são os primeiros a
ajudar, estão sempre numa
de proteger.